segunda-feira, 11 de julho de 2011

O ENIGMA DO SORRISO

Há mais de cinco séculos, se cultivam histórias e lendas sobre uma pintura sonhada em 1502 e nascida no abril de dois anos depois, para se tornar o maior mito da história das artes, La Gioconda. Só que a modelo pintada por Leonardo da Vince, a recatada dona de casa Lisa Gherardini del Giocondo, jamais se viu na tela. Isso mesmo! Mas milhões de curiosos do mundo inteiro a procuram, diariamente, no Museu do Louvre, em Paris, onde se encontra cercada por um vidro à prova de bala e que a protege de roubo.
Também chamada, erradamente, de Monas Lisa, pois esta foi uma sua “neta”, Lisa era a mulher de um mercador de sedas, Francesco del Giocondo, e tivera uma impressão tão ruim de Leonardo, quando se conheceram, que quase chegou a desistir de ser a modelo que o gênio imortalizaria. Afinal, era censurável a uma “madonna” florentina pôr-se diante de um sujeito tão excêntrico como aquele, usando vestes espalhafatosas e um linguajar chocante, a ponto de dizer-lhe que pretendia captar-lhe a alma . Por causa das esquisitices de Leonardo, La Gioconda esteve ameaçada de não nascer. Alias, duas vezes. Antes, quando Lisa desaprovara a idéia, Francesco propôs-lhe dispensar o “dipintori”, mesmo tendo-lhe adiantado parte do pagamento pelo trabalho.
O nascimento do mito começa quando Leonardo da Vinci conhece Giuliano de `Medici, em 1502, em Urbino, onde estivera a serviço do papa Cesare Borgia, para estudar e reproduzir o traçado arquitetônico do castelo onde o rapaz vivia exilado, após a queda, em 1494, dos 60 anos de poder político dos Médici, em Florença. Foi quando o Medici solicitou-lhe o retrato da prima. Leonardo só o fez porque se cansara da vida errante que levava e por achar uma bestialidade humana as campanhas militares de Borgia, que planejava transformar em um só reino da Itália as regiöes da Toscana e de Florença. Assim, na tarde de 4 de março de 1504, aquele homem alto, barbudo e careca, de 51 anos, surpreendeu Francesco, na Fiação Giocondo, informando-o de que estava ali, a pedido de Giuliano de Médici, para pintar um retrato de sua esposa.
Se Lisa esperava vê-la rapidamente numa tela, nem imaginava o que a esperava. De início, achava que não faria sentido atender a um amor que já se tornava uma lembrança distante, pois ela só se via como uma dona de casa muito ocupada com os afazeres domésticos e filantrópicos, além da educação do enteado Bartolomeo, filho de Giocondo com a sua primeira mulher, Camilla Rucellai. Além do mais, aos 24 anos de idade, não se considerava mais a "giovinetta" que o primo transformara em mulher, aos 15, no olival de Fiesole. Foi preciso muita conversa para Francesco convencê-la a posar para Leonardo, o que Lisa só concordou quando o ouviu elogiar a sua beleza, além da garantia de que seria algo breve, pois os pintores só trabalhavam o rosto e as mãos dos seus modelos, deixando o restante a cargo dos aprendizes. De sua parte, Leonardo prometera, em seis de março de 15004, terminar o retrato em junho.
Pronta para posar, no início de abril, Lisa não acreditava que Giuliano a reconhecesse com aquela sua nova fisionomia, nove anos depois, quando não usava mais os cabelos caídos pela face. Os partia ao meio, com duas fitas lisas em curva, para ajudar a formar um cacho dobrado na nuca, e passara a usar um véo preto para fixar o penteado. Sem dar a mínima importância ao que viveria, ela se apresentara-se para posar usando uma roupa caseira escura, com uma fechada blusa vinho com mangas. Depois que Leonardo, usando uma túnica bordada a ouro, presente do Papa Cesare Borgia, ajustou-lhe a pose e ia começar a riscar, repentinamente, ela lembrou-se de que Giuliano nunca a vira daquele jeito. Retirou anéis e pentes, além dos cachos falsos sobre as orelhas e sacudiu a cabeça, seus cabelos caíram sobre os ombros e, então, Leonardo começou a transformá-la num mito.
Enquanto pintava, Leonardo via nos olhos castanhos e no sorriso de Lisa a reencarnacäo de Albiera Amadori, a madrasta que o fizera de filho e lhe dera amor e carinho, por 12 nos, enquanto seu pai o desprezava. Leonardo tornou-se amigo de Lisa, embora jamais cumprisse prazos. Só em setembro de 1506, ele comunicou-lhe que o quadro estava terminado, sem apresentá-lo. Disse-lhe que viajaria passando por Urbino e pediu permissão para entregá-lo a Giuliano.
Lisa reencontrou-se com o primo que encomendara La Gioconda, em 1512, quando o Papa Júlio II, com a ajuda do exército espanhol, expulsou os franceses da Itália, tomou Florença, destituiu o chefe de estado, Piero Soderini, e recolocou os Médici no poder. Passados 18 anos , ela era uma mulher espiritualmente e sexualmente muito satisfeita com o marido, ao qual se entregara, por gratidão, dois anos depois de casa. Em nada, Giuliano, que fora o grande amor de sua vida e agora era o novo chefe-de-estado florentino a emocionara. Para piorar, ela ficara decepcionda em saber que Leonardo não lhe entregara o quadro. O destino, porém, se encarregaria disso. Coroado Papa, em 11 de abril de 1513, Givanni de Medici, o Leão X, levou o irmäo Giuliano para Roma, e o fez comandante-chefe do exército papal. Em maio, Leonardo decidira tentar a sorte no novo principal centro artístico da Europa. Antes, voltou a procurar Lisa, assegurando-lhe de que, daquela vez, o primo receberia a tela. Lisa sorriu, e nunca mais se viram – nem ela o quadro.
Em Roma, enquanto o Papa negociava o casamento de Giuliano com a filha do duque de Sabóia, Filisberta, o irriquieto Leonardo conseguia emprego na corte papal. Só assim Giuliano conheceria "La Gioconda". Mas ficou pouco tempo com ela, pois antes de casar-se com a tia do futuro rei da França, Francisco I, tristemente, a retirou da parede, no final de 1514, e a devolveu a Leonardo, pois não queria que a esposa visse o retrato de uma outra mulher em seu quarto. Giuliano percebera que o artista gostava muito da obra. Verdade! Leonardo, que em 1516, na sua última passagem por Florença, soubera que Lisa agora só existia em sua tela, passou o final de sua vida, em 1519, em Amboise, na França, olhando para o rosto da Gherardini e misturando aquela imagem com a figura de Albiera, o que a sua mente transformava numa só mulher – com um sorriso intrigante.

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