segunda-feira, 11 de julho de 2011

AS BELAS DOS CLASSIFICADOS

No início, os comerciantes da idade média criaram as gazetas, para noticiar o comércio. O tempo foi passando e surgiram os classificados, para vender coisas. Hoje, eles vendem até amor. Se não anunciam propaganda enganosa, nunca foi tão fácil amar deusas, musas ou sereias. Elas são um lindo sonho delirante.
São loiras, ruivas, morenas, índias, orientais, brasileiríssimas. Todas lindas, liberais, carinhosas, cheirosas, deliciosas, tesudas, sensuais. Em comum, só o fato de serem diabinhas de inferninhos que dão garantia de prazer intenso a quem só pensa "naquilo".
Danadinhas, elas se revelam por inteiro no fogo intenso do que for tratado, mas recolhem-se, intransponívis, no íntimo de suas identidades. Vão à guerra como Alines, Camilas, Cláudias, Fabíolas, Isabelas, Marianas, Renatas e Valérias, entre outras graças que, também, incluem Karens, Kiaras, Natashas, Monikes, estrangeirismos que impressionam os ouvidos tupiniquins.
O negócio delas é o prazer, mas, sem querer, essas meninas de vida facilitada pelo celular, a internet, o táxi e o motel com ar condicionado criaram uma literatura que faz o substantivo ter ciúme do prestígio do adjetivo, além de deixar a gramática pasma da sensualidade conferida à metonímia. Querem um exemplo? Com certeza, Amanda, 18 aninhos, "princesinha dos seus sonhia mais eróticos, cabelos longos, na cintura", não estava nem aí para o sentido figurado que a sua professora primária lhe ensinou e que ela, com certeza, nem se lembrou, quando anunciou ter uma "boquinha mágica, bem gulosa". Gulosa de quê? Amanda não precisa explicar. Mais explícito do que essa figuração só a metonímia que ela usou para avisar aos leitores dos classificados dos jornais que tem um "bumbum delicioso".
As vezes, uma superdiscreta princesinha esquece que vive num país onde a discriminação epidérmica é crime e anuncia-se como "branquinha". Perdoável só por quem adora as letras daquelas músicas com cheiro de motel, afinal a gata complementa o preconceito dizendo que "...adora beijos...vou dar tudo o que você quiser, sem frescura". Também, há casos em que elas parecem bairristas: "Mineirinha linda... Linda goianinha... Loira gaúcha". De repente, nem sejam, queiram, apenas, acarinhar o torrão natal.
Tem delas que, quando se definem, mostram-se saídas de velhas histórias gregas, como uma deusa "arrazando corações, em 1,70 m de pura safadeza, curvas divinas, bumbum lindo, tesuda da cabeça aos pés, totalmente liberal, híper carinhosa, a amante mais do que perfeita". Dá pra resistir? "Venha realizar as suas mais loucas fantasias...", oferece Aline, de 21 anos. Mas, se nesta matéria pode entrar deusa grega, então, pode pintar também uma "sereia superbronzeada. Belíssima!" Adria Gaúcha, a loira de cabelos longos, vai mais fundo ainda, deixando todos curiosos. "Tenho algo grande. Quer saber? Ligue e pergunte o que é", autoriza, a prenda, de 1,70 m.
Em tempos de geração saúde, não podia faltar aquela "de corpo malhadinho... pra você que procura uma bela massagem e gostoso relax, completinho". Interessado? Então, confira se Ana Carla, de 19 anos e 1,68m, além do que diz, é, realmente, "linda, carinhosa, sensual", como Ana Luiza que, além de "atraente, sensual e bonita", ainda manda avisar que é educada, meiga, carinhosa e higiênica. E pra matar: "...bronzeada, pernas grossas, bumbum exuberante, ao gosto de senhores que gostam de beijos e carícias". Gostou? Poética, hem!
A esta altura do campeonato você pensaria que só falta pintar uam garota saída das letras da Bossa Nova , não é mesmo? Mas ela existe, sim, e tem nome de cantora do gênero. Anote a cantada de Maysa, de 18 aninhos, 1,60m: "Uma gracinha de morena, gostosas dos pés à cabeça lábios provocantes, corpo excitante, Seios perfeitos, liberal e fogosa. Amante mais do que perfeita, pronta para satisfazer suas vontades". Não é mesmo uma autêntica "Garota de Ipanema do Cerrado?" No tom do Planalto! Confira se os olhos dela são dois lagos não pacíficos.
Agora, prezado, segure esta: se a Playboy pagou aquele quase milhãozinho de dólares para você ver uma deusa da TV, como Deus a criou (nua), ou como o homem a complicou (vestida), gaste infinitamente menos só com um telefonema para Denise (9991-9338). "Exuberante, sósia de Vera Fischer, mulher fina, educada, de bom nível social e cultural. Goiana, loira, elegante, atraente, sensual, lindíssima". Chega, ou quer mais? Mais? Então saiba que ela é a acompanhante perfeita para você deixar os amigos de queixo caído nos eventos onde comparecem executivos e empresários. Denise atende com classe e descrição, prometendo, preferencialmente, aos hóspedes do Setor Hoteleiro Norte/Sul ..."senhores de extremo bom gosto, um raro e inesquecível prazer".
O anúncio acima só não especifica se esta goiana é humana ou biônica, pois ela oferece atendimento vip, 24 horas por dia. Mas, não se preocupa. Se não der para fisgar um clone de Ver Fischer, você tem Isabela, "ex-modelo, 1,78m de pura simpatia. Mulher bonita, clara, 68 quilos bem distribuídos, toda bronzeada..." Fique só sabendo que, pela sua passarela, ela prefere os desfiles dos "senhores executivos e empresários, aos quais promete serví-los com discrição, carinho, qualidade e gostosa massagem relaxante".
Eu telefonei para as "belas dos classificados", mas só uma delas aceitu conversar, assim mesmo não permitindo fotografias, nem a gravação de sua voz. Inclusive, para não ser identificada, pediu para trocar o nome divulgado no jornal pelo de Vânia. O nosso encontro foi marcado por ela para a saída da agência central do Banco do Brasil, no Setor Bancário Sul. Pela descrição da roupa que usaria, de sua cor e altura, não tive como errá-la. Ela era muito mais bonita do que se anunciava. Lembrava aquela atleta de vôlei, a Ana Paula. Educadíssima, perguntou se poderíamos conversar no bar do aeroporto. O carro dela é um Vectra. Vânia, sempre sorridente, é uma dama. Tem 27 anos, mede 1,74m, é morena, tem cabelos longos, dentes perfeitos e fala, fluentemente, o francês. Domina, também, o inglês.
Quando sentamos para conversar, ela sugeriu tomarmos um vinho nacional, para não encarecer muito a conta. E pediu Forestier risling, branco, suave. Então, ela me contou: "Eu cursei até o quarto ano de Administração de Empresas. Trabalhei num banco, porque rompi com a minha família. Os diretores não me deixavam em paz. Eu passava mais tempo sendo cantada do que trabalhando. Um dia, li um livro sobre a "outra". Imaginei-me naquela situação e, quando a minha conta bancária secou e não deu mais para pagar a faculdade, preferi fazer aquele jogo do que me reconciliar com os familiares, que tentavam me passar uma idiosincrasia que, na verdade, era muito mais uma hipocrisia".
Segundo Vânia, a sua tomada de posição aconteceu quando um diretor do banco, um gay, lhe contratou para passar por sua namorada, numa recepção, em São Paulo. "O acordo ficou pelo dobro dos 700 reais que eu ganhava, mensalmente. E, depois daquela, eu topei todas as que pintaram. Ficar ganhando o que eu ganhava seria burrice. Voltei para a faculdade, mas tornei a abandoná-la, faltando seis matérias para concluir o curso. Um executivo francês apaixonou-se por mim e insistiu para eu me casar com ele. Não aceitei o casamento, mas vivi três anos com ele, em Paris. Durou até muito, pois ele era muito ciumento. Tive vários convites para fazer desfiles de modas, fotografias para propagantes em revitas e jornais, mas ele me proibia. Os europeus suspiraram quando pasavam por mim. Pareciam nunca terem visto uma morana. Quando não suportei mais os ciúmes do francês, rompi com o casamento. Voltei há um ano e pouco".
Vânia disse que teve poucas informações sobre o Brasil, durante o tempo em que moru em Paris. Segundo ela, o francês esteve por aqui, três meses depois que ela o abandonou, tentando uma reconciliação, mas ela rejeitou. Ganhou o Vectra, de presente dele, mas nem assim se comoveu. "Eu esperava voltar ao Brasil e terminar a minhja faculdade. Mas encontrei o país com muito desemprego e poucs chances de colocação no mercado. Apareceram oportunidades de trabalho, mas, de forma alguma, eu aceitaria dar o duro o dia inteiro, por 400, 500 reais, conforme foram a propostas que pitnaram. Então, resolvi. Então, resolvi explorar a beleza do meu corpo enquanto eu tiver juventude. Preciso ganhar muito dinheiro para, daqui a uns oito anos, viver outra vida".
Perguntei a Vânia se el anão sentia contrangida de sabr que quase se graduara em Administrção de Empresas e se via colocando anúncio em jornal para negociar o corpo. Sua resposta: "Certa vez, eu e o francês fomos passear em Havana. Vi médicas e arquitetas vendendo o corpo para terem dinheiro para se alimentar. Só acreditei porque conversei com elas. É questão de opção, para mim. Repito: jamais irei trabalhar o dia inteiro por 500, 600 reais, enquanto eu tive beleza física. Eu tenho amigas que vocês nem imaginam o que são e que fazem o mesmo que eu. Se as encontrarem numa destas festas elegantes do Lago Sul, pensarão que são princesas. E não somos? Pelo menos, para os sonhos de muitos".
Convenhamos então, que sonhar custa muito caro se o objeto do sonho for uma "princesa".
Publicado no Jornal de Brasília de 9 de julho de 2000

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