domingo, 24 de julho de 2022

 

77- PRIMEIRAS MULHERES ESPORTIVAS

Publicado pelo Jornal de Brasília de 20.01.2014

A organização e a participação em provas esportivas no Brasil, nos inícios   do século 20, era compreendida como algo inerente ao sexo masculino. Mesmo   assim, a mulher tirou a sua "beiradinha", ajudando a criar, com o   seu comparecimento, o pretendido (pelos homens) ambiente familiar e saudável   buscado nas competições. O esporte foi abrindo caminhos para elas se   libertarem, no futuro, de muitas amarras.

Das primeiras modalidades chegadas ao país – touradas e turfe –, a mulher   nem tinham como praticá-las. Até o homem pouco se esforçava, o que ficava   mais por conta dos animais. Vieram no rastro, entre outras práticas, remo,   atletismo, ciclismo, natação. Esta última colaborou, exatamente, para tirá-la   do meio do público e jogá-la nas águas. De início, nadar um exercício   higiênico e dava segurança nos banhos de mar. Em 1877, já havia entidade   (Club de Boiton) oferecendo-a, bem estruturada. Houve, também, o caso de uma   livraria carioca (Laemert) traduzindo o francês "Manual da Arte de   Nadar", para ser um sucesso de vendas.

Como já existia o remo na chegada da natação ao Brasil, as duas   modalidades se atrelaram e os primeiros grandes nadadores foram remadores,   que disputaram até campeonato chamado de "Brasileiros", em 1898 –   Abrahão Saliture foi o primeiro vencedor, nadando entre o Forte de   Villegaignon e a praia de Santa Luzia, no Rio de Janeiro, com prova   organizada pelo Clube de Natação e Regatas.

O surgimento da Federação Brasileira de Sociedades de Remo, em 1902, foi   uma graça para as mulheres. Passando a organizar as disputas de natação, oito   anos depois, a entidade proporcionou-lhe a participação, levando a história a   registrar os nomes das nossas primeiras grandes nadadoras – Blanche Pironnet,   Anésia Coelho, Alice Possolo, Maria Lenk, Helena Salles e Piedade Coutinho,   entre outras.

Nem só de natação "pioneiraram" as primeiras brasileiras   desportivas. Registra-se, também, a participação delas no atletismo, chamado   de "jogos atléticos ingleses" e nas "corridas a pé", que   requeriam pernas-de-pau e saco de estopas. Brincadeiras! Lançadas,   evidentemente, pelos ingleses, criadores de associações esportivas, como em   sua terra, enquanto, por aqui, comerciavam ou representavam o seu governo. Em   1880, o Rio Cricket Clube (futuro Paissandu Cricket Club) organizou as   primeiras provas masculinas, na Rua Paisasandu, no Rio. Os paulistas chamavam   a modalidade de "pedestrianismo" e já tinham, pela mesma época, o   São Paulo Criecket Club.

CICLISMO - Já que saíram-se bem nas braçadas, as mulheres fariam o mesmo   com os pedais? Data do final da década-1860 a chegada das primeiras   bicicletas ao país, com crescimento de importações a partir de 1890. São   Paulo organizou as primeiras corridas masculinas. O Rio de Janeiro teve o seu   primeiro velódromo em 1896, um ano depois de Porto Alegre. Foi pequena, no   entanto, a participação competitiva feminina. Houve só uma disputa, pois a   modalidade era considerada "masculiníssima". À mulher coube mais o   embelezamento do ambiente, como ocorrera durante os primeiros páreos do turfe   e das regatas remeiras.

Criado em 1897, o Frontão Velocipédico Fluminense (as bicicletas nos   chegaram chamadas de velocípedes) foi o único a levar a mulher à pista de um   velódromo. Variando tipos de corridas, por uma delas colocava um casal em   cada bicicleta.

Fora da competição, o clclismo recreativo despertou na mulher da elite a   curiosidade pelas roupas usadas pelas franceses quando se punham a pedalar.   Por isso, período chegou a ter coluna específica sobre tal modismo – o Rio de   Janeiro tinha um periódico chamado "O Ciclismo".

Se o ciclismo competitivo era considerado pouco feminino, o que não dizer   do boxe e da luta romana? Pois as brasileiras entraram nesta, também. Eram em   circos, ou em ambientes de patinação, ao final do século 19, que se davam as   primeira lutas boxeantes masculinas. Regras bem definidas só lá por   "1920-e-tantos". Em São Paulo, a luta romana rolava em velódromo.

As primeiras lutas femininas no Brasil foram em 1910, disputadas no Teatro   São Pedro de Alcântara, no Rio de Janeiro. Aproveitou-se uma temporada de um   grupo musical feminino (Mirales) e os pegas foram entre estrangeiras, com a   participação das paulistas Anita e Nenê.

Se os remadores contaram com a divulgação de "A Canoagem" e os   ciclistas de "A Bicicleta" e "O Ciclismo", as lutas   tiveram, também, o seu periódico: a "Revista de Theatro e Sport". A   modalidade ganhou espaço, ainda, na "Revista da Semana" e na   "Fon-Fon", com direito a fotografia das lutadoras exibindo as suas   pernas. Além de elogios aos modelitos dos maiôs – naqueles tempos tão   recatados, já havia repórter assanhadinho!

Havia modalidades, modalidades, também, mais aceitáveis para as mulheres.   Portadoras até de status social e complementares à educação delas, caso da   esgrima, chegada por aqui desde o século 19, praticada pelos homens em   estabelecimentos militares e em escolas de elite. As primeiras aulas   particulares datam de 1860, mas as mulheres só começaram a pegar no sabre a   partir de 1868, no Clube Ginástico Português do Rio de Janeiro. São Paulo   aderiu à moda ao final do século 19, e promoveu o primeiro campeonato   organizado, em 1902. A elas era permitido disputas privadas, mas em   competições públicas só podiam assistir.

Ao contrário da esgrima, no hipismo, chegado ao Rio de Janeiro na primeira   metade século 19, as mulheres subiram na cela dos cavalos sem contestações –   nos inícios do século passado já havia muitas competições no Rio de Janeiro e   três centros hípicos. Pelo mesmo período vintentista, disputavam provas de   tiro, iniciadas pelos sulistas, como caça, desde 1830, no Rio de Janeiro. As   revistas cariocas adoravam publicar fotos de mulheres elegantemente vestidas   para atirar. "O Malho", em 1906, chegava a exagerar. Além de   chamá-las de peritas atiradoras, ia muito mais longe. Afirmava que o   "desenvolvimento desse esporte feminino era valioso para a defesa da   pátria e do lar".

66 - MULHER & PRECONCEITO

Publicado pelo Jornal de Brasília de 04.11.2013

Há quem pense que a discriminação do nosso futebol contra as mulheres que   posaram nuas para as chamadas "revistas masculinas" só atingiu a   juíza Ana Paula, que vinha fazendo sucesso, mais como auxiliar de arbitragem   (bandeirinha).

Ana Paula Oliveira, nascida em São Miguel Paulista, posou nua, em 2007, e   perdeu espaço nos gramados paulistas. Sem apito, em 2009, participou do   programa de TV "A Fazenda-2" e foi a primeira eliminada. A seguir,   passou a repórter do programa "Esporte Fantástico" e comentaristas   esportiva da Record. Em 2011, voltou para "A Fazenda-4". Do ano   passado par cá, participou do programa "Alterosa no Ataque", do   "SBT-BH". Tem aparecido, também, em vários programas televisivos.

Ana começou a lidar com arbitragens aos 14 anosa, como bandeirinha do pai   em jogos amadores. Em 2001, fez o seu primeiro jogo da série A-1 do   Campeonato Paulista. Em 2003, foi a primeira mulher a apitar uma final   paulista. Algumas decisões polêmicas, a partir de 2006, porém, levaram à   queda na profissão.
  A sua decisão de posar nua surpreendeu muitos cartolas, que apostavam em seu   futuro no apito, por ter sido, em 2004, a grande revelação da arbitragem dos   Jogos Olímpicos de Athenas 2004. Na "Playboy", foram 13 fotos   clicadas por J. R. Duran, sem relação com o futebol. Na época, o presidente   da Comissão de Arbitragem da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), Edson   Rezende, não viu nada que pudesse, profissionalmente, ajuda-la na carreira.   Mas não a puniu, reconhecendo que era um direito de Ana posar como bem   entendesse. No entanto, na arbitragem paulista ela chegou a ser afastada.

Voltando ao primeiro parágrafo, a primeira vitima do preconceito masculino   contra o nua feminino nas revistas foi a árbitra Vânia Lúcia de Moraes, que   trabalhava, também, como modelo fotográfico, desfilando pelas passarelas,   além das quatro linhas do gramado. Ela não teve a sorte de Ana Paula, que só   perdeu terreno. Vânia, por posar como veio ao mundo, para o Nº .1771, de 29   de março e 1986, da revista carioca Ele&Ela, do grupo Adolph Bloch - 21   anos antes de Ana Paula –, encontrou cartolas muito mais preconceituosos.   comandando a Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro. Eles a   excluíram, ela recorreu da decisão, mas perdeu tempo. O machismo era mais   forte e inapelável. Para os responsáveis pelas arbitragens nos estádios do   Rio de Janeiro, a árbitra Vânia Lúcia havia "denegrido a imagem do   futebol carioca". Pela revista "Manchete", ela respondeu que   era " moralmente hipócrita me excluir por isso (posar nua)".

O preconceito não existe mais. Tanto que várias atletas já fizeram o mesmo   que Vânia, casos, entre outros, de Sueli dos Santos (atletismo); Hortência   (basquete); Vanessa Menga (tênis). Mary Paraíba (vôlei). Em nada prejudica   imagem e nem o nível técnico e moral das modalidades que praticavam. Razão de   não terem sido punidas. Esquisitamente, quem foi punido chamou-se Roger,   então goleiro do São Paulo, que desagradou ao treinador Paulo César   Carpegiani, por mostrar-se pelado para uma revista dedicada ao público   homossexual.

Hoje, atletas - homens e mulheres - posam par calendários sexy sem   problemas. Os cartolas preconceituosos perderam este jogo.

 

                                

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