Mulher pratricando esporte, no Brasil, há 82 temporadas? Nem pensar! Em 14 de abril de 1941, o Decreto-Lei 3.199/41, do presidente Getúlio Vargas, as proibiu de fazer qualquer coisa “incompatível com as condições de sua natureza”, o que fez com que os primeiros times femininos de futebol (1940) darem para trás. Mesmo assim, às escondidas, elas encararam a propibição, inclusive recorrendo a picadeiros de circos para driblar o “Getulhão”. O lance, porém, piorou, em 1965, quando rolava uma ditadura militar tocada por generais-presidentes da república.
Por ali, o chefão do Conselho Nacional de Desportos-CND, o general Eloy Massey Oliveira de Menezes, que havia sido atleta do futebol do Vasco da Gama da década-1920, canetou a Deliberação Nº 07, tirando das meninas o gostinho de rolar a bola no futebol (regulamentado em 1983), no futebol de salão e no de praia. Bem como de praticar lutas desportivas, pólo e pólo aquático, rugby, halterofilismo e beisebol, restrições que vingaram até 1979. Mas, como a lei para tirá-las dos gramados, cimentados, areiais, piscinas e tablados não se manifestava sobre a participação delas na administração desportiva, já havia surgiu, sem ser incomodada, a primeira “mulher cartola” no país. Em 1923, portanto, bem antes da marcação getulista em cima delas.
A mocinha Júlia Pinheiro, sem demora, ganhou a simpatia dos dirigentes de clubes e da entidade, que passaram a chamá-la por Julinha. Qualquer dúvida com tabelas, regulamentos, inscrições, etc era só chama-la, que batia em cima da questão. Só ficava uma fera com a cartolada quando alguém lhe aparecia a cinco minutos do final do expediente solicitando registro de atleta, “o futuro maior craque do planeta” - que terminava, sempre, sendo um perna-de-pau. Por conta daquilo, a Julinha chegou a pedir, por vária vezes, troca de seção, ouvindo eternos “nãos”, pois os cartolões da Liga sabiam que ninguém era melhor do que ela em seu ofício. Tanto que promoveram-na a chefe do seu pedaço, liderando quatro homens – Antônio Diniz Júnior (sub-chefe), Durval Barbosa, Aladir Antônio de Araújo e Alfredo de Oliveira Santos.
Dona Julinha comandava quatro briosos assessores
A Julinha que, com o tempo, virou Dona Julinha, organizava tão bem estatísticas para clubes e jogadores, que era consultada por federações e ligas de várias partes do país. Em seu tempo, era imposivel algum jogador ser “gato” – ter dados falsificados.
Uma das histórias mais interessantes vividas pela Dona Julinha aconteceu durante a década-1950, quando o meia-atacante Zizinho (Thomaz Soares da Silva) era considerado o melhor jogador do futebol brasileiro – o ídolo de Pelé. O craque tinha uma folha de anotações sempre crescente em quantidade de advertências e suspensões, defendendo Flamengo e Bangu. Um dia, ela passou-lhe um tremendo carão, daqueles tipo “menino se emende”. Zizinho ficou ruborizado e prometeu-lhe que, a partir de então, os brancos em sua folha de anotações não mudariam mais de cor. Contavam que, quando ele trocou o futebol carioca pelo São Paulo FC (em 1957), teria ido agradecer à Dona Julinha pelo pito que lhe passara.
A primeira cartola do futebol brasileiro abriu o caminho para mulheres dirigirem clubes, ligas e federações, como Michelle Ramalho, presidente da Federação Paraibana de Futebol (2018 a 2022 e reeleita para o cargo até 2026), e Patrícia Amorim e Leila Mejdalani Pereira, respectivamente, primeiras mulheres a presidirem Flamengo (2010 a 2021) e Palmeiras (desde 2021). A Dona Julinha, no entanto, não teve sucessões cartoleiras na família. Seu filho, Paulo Pinheiro, preferiu entrar para a equipe que transmitia o turfe carioca, pela TV Rio, que existiu entre 1955 a 1977.
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